Eu tenho seis tatuagens espalhadas pelos meus braços. Duas nos pulsos, feitas pela Brenda Cerutti. Uma árvore no direito, a palavra “resilire” (resiliência em latim) no esquerdo. Nesse mesmo lado, um colibri, desenhado com afinco por ela, que ganhou esse mês uma companhia: um avião com a expressão “muy valiente” (muito valente em espanhol). Essa mais recente foi feita pela Natália, uma argentina que se mudou para a Bahia, lá nos encontramos e criamos tal desenho.
No outro braço, um balão com a palavra “viaticum” (os preparativos para viajar, em latim), feitos em Florianópolis pela Magéli. Na parte de trás, acima do cotovelo, uma janela vitoriana acompanhada de “credere” (acreditar em latim), feita em Londres por uma italiana chamada Valentina.
Além do meu óbvio gosto por viajar, essas tatuagens tem mais algo em comum: foram todas criadas por mulheres. Cansei, todas essas vezes, de entrar em estúdios com moços barbudos e mau encarados, como o melhor esteriótipo de bom tatuador pode ser, onde não havia nenhuma tatuadora. Também andei muito, todas as vezes, até encontrar uma mulher que executasse minhas ideias espontâneas – não sou do tipo que marca horários, porque não sou do tipo que sempre tem tudo planejado.
Quando digo que só faço tatuagens com mulheres recebo uns olhares esquisitos, provavelmente questionando minha sexualidade e sensatez. Dou de ombros. Passo para o próximo estúdio até encontrar um sorriso amigo, que nós mulheres sempre temos reservados umas para as outras.
Minha escolha é consciente e te conto por quê. Como boa parte do mercado, o de tatuagens é reinado por homens – nem todos barbudos, é verdade, mas homens. Isso quer dizer que eles são melhores em desenhar sob a pele? Não. Que existem poucas mulheres interessadas em ser tatuadoras? Também não. Quer dizer que o mercado recebe melhor aos homens.
Anualmente existe uma premiação de profissionais brasileiros de várias áreas, entre elas a de moda e beleza. É, afinal, o segmento que mais vende pela internet desde 2013, segundo a E-bit, nada mais justo que premiar suas estrelas. Na edição de 2016, dos 24 profissionais indicados entre as categorias estilista, profissional de beleza e fotógrafo de moda, 4 eram mulheres. Quatro. 1,2,3,4.
De novo: estamos no Brasil, um país com 200 milhões de habitantes, onde sua maioria são mulheres. A moda e a beleza são conhecidas como áreas com foco no público feminino. A moda e a beleza são os mercados que mais crescem em vendas, portanto, com muitas oportunidades de trabalho. Só tem quatro mulheres nesse país dignas de indicação de premiação? Não tem mulher maquiadora? Não tem mulher fotógrafa? Não tem mulher estilista?
Tem sim.
Mas cadê prêmio, né?! Não precisa. Mulher. Pra quê….
Existem profissionais extremamente capacitadas em todas essas áreas. Eu inclusive trabalho com algumas delas. Mas por algum motivo, ou vários, o sucesso profissional masculino recebe reconhecimento com fervor, enquanto o feminino é ignorado. É que nascemos pra sermos mães, esposas, namoradas, não pra ter uma profissão, sabe?! Em uma premiação assim, não manter equiparidade nas indicações apenas ressalta a desigualdade de gênero já perpetuada culturalmente.
O mais engraçado é que nas outras duas categorias do segmento, de melhor modelo e melhor blogueira, todas as indicadas são mulheres. Sabe o que isso quer dizer? Que a gente pode consumir, sim. Compra um batom. Compra uma bota nova. Faz um review no Youtube. Mas não vai querer criar essas coisas e ser reconhecida por isso, tá? Obrigada.
Mulheres trabalham pra caramba
No Brasil, as mulheres trabalham por mais horas e recebem salários menores. Trabalhamos cerca de cinco horas a mais, somadas as atividades domésticas, que os homens (IBGE). Nós recebemos em média 25,6% menos que os colegas regidos por Marte, exercendo a mesma função (CEPAL). Nesse ritmo, vai demorar só mais 240 anos até termos igualdade salarial e de oportunidades.
A pegadinha é que somos mais bem educadas, não só no bom senso, mas em ordem acadêmica. Somos a maior proporção de formandos em ensino superior. Contudo, não nos querem como diretoras ou gerentes. Segundo o GPDG (Grupo de Pesquisa de Direito e Gênero) da FGV, entre 480 empresas, mulheres em posições de liderança representavam um ínfimo 7,5%.
Quando você compra de uma, ajuda a todas
Sororidade é muito mais que uma palavra que soa como um ronronar felino. É uma forma de nos conectar. É escolher empatia à competição. É ir numa cabeleireira, comprar o bolo da vizinha, votar em uma vereadora, apoiar a promoção de uma conhecida, andar por vários estúdios até encontrar uma tatuadora.
Quando você apoia uma mulher, apoia a todas nós.
Créditos foto de capa Fotografia e Produção Executiva: Fran Machoski Styling: Ana Beatriz Villas Bôas Beleza: Thatiani Silva Cabelo: Maicon Dantas – Espaço AC
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