O que você está vestindo agora?
Calma! Não é nenhum tipo de cantada do Tinder ou convite pra sábado à noite.
Se você não estiver com uma calça jeans, aposto um match que pelo menos um exemplar dela está lá no seu guarda roupas. Embora essa seja uma peça mais comum que textão de facebook, sua representação é cheia de significados.
Durante séculos homens e mulheres tinham os mesmos objetivos ao escolher seu look do dia. À princípio: proteger-se do frio, já que a natureza não nos presenteou com casacos de pele inerentes. Gregos e Romanos usavam túnicas, independente dos órgãos sexuais que elas guardavam. Os persas se protegiam com casacos, que mudavam pouco de comprimento de acordo com o gênero.
O dimorfismo sexual pela indumentária
Já durante a segunda metade do Séc. XIV, as mudanças na vestimenta ficam mais acentuadas, passando a identificar cada vez mais as classes sociais. Nesse contexto, a ornamentação se torna essencial, já que era através dos tecidos, cortes e volumes que alguém representava seus barris de ouro.
Podemos traçar o maior distanciamento das roupagens masculinas e femininas durante a Revolução Francesa. Agora, as leis suntuárias ao mesmo tempo que permitiam a todos usar o que quisessem, restringia o uso de calças às mulheres francesas – que só podiam vesti-las sob autorização especial. A-RÁ!
Quem começava a escalar as classes sociais era a burguesia, ascendendo durante a Revolução – e olha que nem existia carnê das Casas Bahia (ainda). Até esse momento, os homens também se rendiam às joias, maquiagens e perfumes. Contudo, para comunicar seus valores, esses homens burgueses abandonaram a diversão ao se vestir, se reservando à seriedade das cores sóbrias e cortes retos. Os trajes dos que trabalham, dos que pensam, guerreiam… – e também dos velórios.
“…como moda para mulher e não-moda para o homem” _Paul Yonnet
Em La Soriée de Jean Béraud as mulheres tem caldas, cores e babados, enquanto os homens se vestem de preto
A moda passa a ser tratada como frívola, bem como o investimento em itens tão visuais – embora nesse texto todo estejamos falando de história, política e economia só através da roupa, mas tá. Então, como mostrar que eu sou um burguês rico, bem sucedido e continuar usando roupas sóbrias? Com a minha esposa, é claro! As mulheres não apenas continuaram se adornando, como agora eram a tela para o status de seus maridos e famílias.
“seu amo manda dizer pra deixar bem claro que ele pode pagar” _Thorstein Veblen
Neste tão óbvio dimorfismo sexual dos Séc. XIX, se amparam as identidades masculina e feminina. Comprimido pelos espartilhos, barbatanas e anáguas, o corpo feminino fica restrito. É colocado num espaço ocioso. A mulher não trabalha, não produz, apenas desfila as riquezas dos homens da casa. Um troféu cheio de frufrus.
Um desamarrar de espartilhos
No século seguinte esses papéis começam a ser questionados. Ainda sob uma perspectiva masculina, a moda se rebela contra o decoro burguês. Quem propõe abolir as amarras físicas do corpo feminino é Paul Poiret, o estilista francês suprime dos espartilhos aos desconfortáveis acessórios de cabeça.
Foto de Anderson Miranda e Produção de Carmela Scarpi, Even More
A grande transformação realmente acontece com Coco Chanel. Buscando conforto e funcionalidade para ela mesma, trouxe liberdade – e calças – para todas nós! As saias ficam mais curtas para nos dar movimento, os tecidos mais maleáveis, os cortes e modelagens se inspiravam em profissões como de camareiras e operários. Assim, Chanel convidava as mulheres a saírem.
Saírem de casa. Dos apertos. Das amarras.
As calças tão restritas aos homens, aqueles que se diziam os únicos a movimentar o mercado, agora contornavam nossos quadris. Nas décadas de 1960 e 1970, as calças ultrapassavam as vendas de saias na França. Com as pernas livres para saltos, passamos a ocupar outros espaços – a passos largos. Se hoje podemos roubar uma calça do namorado ou irmão, essa é uma pista para um possível futuro sem gênero na moda. Assim como era na Antiguidade.
“A calça (…) consagra a imagem de uma mulher que, tomando emprestado do homem seu traje, se apossa igualmente de suas prerrogativas profissionais e sociais”. _Frédéric Monneyron
A roupa não apenas registra visualmente as transformações sociais, como contribui em seu desenvolvimento. Se uma mulher antes restrita pelas criolinas, aquelas incontáveis armações que davam volume aos vestidos, agora podia se movimentar livremente em suas calças… Como ela não ousaria fazer mais?
E fazemos.
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