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Foto do escritorHellen Albuquerque

Toda mulher é Maria, toda Maria é puta

Putas não falam ou falam muito pouco. Não é como se eu conhecesse um largo grupo de putas, mas as mulheres que, segundo dizem por aí, tem vida fácil são monossilábicas. Já soube das que começaram a dar e ganhar por isso em função de necessidades financeiras, outras por falta de escolha ou outras habilidades, e ainda as que necessitavam de prazer e adrenalina, duas sensações certamente viciantes (e o dinheiro também vinha a calhar).

Você já falou com alguma puta? Elas não são de muita prosa.

Durante as oportunidades de contato que tive, vi que, em primazia, o que basta para ser puta é ser mulher.

De todas as fêmeas compostas por Chico Buarque, a única que tinha ofício era Geni, que dava para qualquer um. E queriam lhe jogar pedras, a consideravam maldita, salvar a cidade não foi suficiente para a redimir da lástima que era seu sexo. É do suor e do gozo, nos quais se lambuzava o comandante do zepelim, que nasce a primeira profissão feminina. Dessa mistura prazerosa de fluidos que também nasce sua primeira chaga. Quando alguém cai em desagrado a culpa é diretamente da sua progenitora. Filha da puta, lembra o jargão.

Minha mãe nunca foi chamada de puta, que ela saiba, mas eu já fui chamada de filha da puta, então naturalmente ela ganha o adjetivo por associação.

O nome da minha mãe é Maria, significa pura em alguma língua morta. Nada de especial nisso, afinal é um dos nomes femininos mais comuns, que identifica perfumes franceses e aparece em contos dos irmãos Grimm. Em Roma, Maria é apenas uma versão de Marius, mas é no hebraico que encontro meu significado preferido: rebelião. Se foi por uma mulher comendo maçã que o pecado entrou no mundo, um mantra rebelde me parece um bom nome para uma menina.


Na voz de Elis Regina, Maria é um dom, além do som, da cor e do suor e é na pele que está sua marca. O corpo que suporta outro dentro de si, seja na lascívia ou na gestação, peca pelo seu milagre. Maria, a eterna virgem, antes de santa quase foi apedrejada pelas ruas por culpa de seu útero, que ao seguir o próprio curso biológico gerando vida a tornou por consequência indigna. Seu livramento se deu pela interferência do futuro marido e do divino, responsável pela gravidez. Ser mãe (neste caso) do deus cristão a livrou de sua miséria.

Pedras e sexo estão ligados como útero e vagina. A execução por apedrejamento na tradição judaica, cristã ou islâmica apesar de comtemplar a todos, tem maior atribuição às mulheres. A lapidação se dá em casos de transas prévias a união a um homem, ou em transas com outro homem que não seja este, ou em transas quando este homem morre, ou quando o homem não está satisfeito. Em suma, o apedrejamento acontece quando a mulher e seu sexo são dissonantes ao querer do homem.

A palavra puta como adjetivo é a pedra contemporânea.

Jogada nas moças de minissaia, nos decotes, nas que não respondem aos encantos masculinos, nas que preferem a companhia de outras mulheres ou quando um único homem não é suficiente. Arremessada às que tem muitos filhos ou que tem nenhum. Atirada nas que interrompem a gravidez propositalmente, não cumprindo seu papel de mãe. Às que se depilam de mais ou deixam todos pelos.

Sendo mulher é difícil completar a vida sem nunca ter sido chamada de puta, as chances aumentam quando você é mãe e sua cria não é das mais amáveis ou trabalha com futebol. Contudo, para ser mulher é preciso tornar-se uma, como bem escreveu Simone de Beauvoir. Ser mulher é aprender a desviar de pedras para continuar existindo, uma verdadeira rebelião.

No fim das contas e do texto, nascemos de mulheres. E toda mulher é Maria e toda Maria é puta.

Fotos: Vanessa Leal

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