Lá pelos meus doze ou treze anos de idade, eu dividia com uma amiga os lápis pretos de olhos com o mesmo cuidado das histórias contadas em palavras. Tempos de My Chemical Romance e tardes livres… Era nosso costume ler um livro e então passá-lo para a outra. Depois, aguardávamos ansiosamente sua leitura, para dividirmos juntas os sentimentos em prosa.
Eu e Amanda éramos amigas pela literatura. Nosso grupo ainda se estendia a Lygia Fagundes Telles e suas meninas, todos os miseráveis, os pesadelos de Coraline, o desamparo romântico de Jane Austen e quem mais estivesse pela biblioteca em nossa escola. Gostávamos de protagonistas meninas, para nos imaginar vivendo aquelas mesmas histórias.
Também escrevíamos cartas e sonhávamos com casamentos. Outras duas coisas que, para mim, ficaram na infância. Existem trocas, porém, que permanecem a fazer falta. Mais velha e com outros repertórios, tentei reproduzir a experiência com colegas de faculdade, amigos de bar, namorados e paqueras que almejam a intelectualidade. Nunca funcionou.
Fosse por nos vermos todos os dias, ou termos o recreio como tempo exclusivo para livros, meus diálogos literários nunca se graduaram do ensino médio.
Felizmente, o mundo online por vezes faz movimentar o físico.
Como fez a hashtag #LeiaMulheres. Joanna Walsh foi quem propôs em 2014 que precisávamos ler outras mulheres. A publicação de livros por autoras ainda é tímida, colocada num cantinho escuro do mercado editorial.
O Grupo Leia Mulheres
No Prêmio Nobel de Literatura, que existe desde 1901, cento e treze autores foram agraciados. Entre esses, apenas quatorze são mulheres. Segundo uma pesquisa de Regina Dalcastagné, feita em 2012, 72% dos autores publicados no Brasil são homens. Apesar das publicações independentes, dos ebooks, blogs e de Kéfera estar equiparada a Machado de Assis na memória dos leitores brasileiros, ainda são poucos os espaços para os escritos criados por mãos femininas.
O Leia Mulheres movimenta diversas cidades pelo Brasil. Criando espaços não apenas de leitura, mas de discussão, chá e encontros.
Aqui nasce a importância da busca por estas publicações, da nossa demanda ao mercado para que essas histórias estejam em nossas prateleiras. Uma iniciativa como o Leia Mulheres, movimenta desde os pequenos espaços a essa conscientização.
Minha primeira autora junto ao grupo foi Virginie Despentes, com seu título recém traduzido Teoria King Kong. Durante as quase três horas de conversa livre, navegamos da academia, falando da falta de embasamento teórico ou incoerências nas teorias apresentadas por Virginie, às nossas experiências mais pessoais, com os contatos que já tivemos com a pornografia, prostituição e os pequenos espaços reservados ao feminino. Um mar de referências e olhares.
Na escrita fugaz da francesa, questionamos, acompanhadas de um bom chá, repressões e nossos próprios privilégios. Não são todas as mulheres, afinal, com acesso a leituras como aquela – ou essa. Um exercício crítico de empatia. O grupo não é reservado a presença de mulheres. Contudo, os homens que ali estavam compreendiam representatividade, sabendo dividir os espaços de fala.
Em Curitiba, a mediadora é Emanuela Siqueira, que passa os dias na Joaquim Livros e Discos, uma das livrarias mais charmosas que já vi. Os encontros variam de casa, passeando pela cidade. Os próximos endereços e livros da lista estão disponíveis no grupo do facebook. Se você vive em lugares mais quentes, pode saber dos encontros da sua cidade no site oficial.
Num folhear de páginas, o Leia Mulheres me fez conhecer várias outras Amandas.
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