Seus pais lhe nomearam Alexander, mas é como Sasha que ele sobe aos palcos. Ilustrador e designer, a criatividade de Alexander se transpôs às produções gráficas, usando o próprio corpo como plataforma. Sua nova persona leva o nome de Sasha Velour.
Velour é tecido, uma imitação barata do veludo. É também a metáfora do que é ser drag queen para Alexander.
Sasha é a rainha atual da competição norte americana “RuPaul’s Drag Race”, que seleciona todos os anos o grande destaque entre diversas competidoras do país. Seu estilo levantou diversas discussões dentro da comunidade por apresentar uma leitura autêntica do que é ser uma drag queen.
O apelo sensual não é seu foco, mas sim a busca por representações mais diversas do feminino. Sasha tem gênero fluído, é careca e artista.
A Performance Drag Queen
Dentro dos significados de performance, drag queens exercem diferentes interações. A primeira delas se dá na performatividade de gênero – como proposto por Judith Butler –, quando aderem a signos femininos para representar de forma exacerbada o que seria uma mulher. Como faz Alexander depois de suas horas rituais de maquiagem e na construção de seus ornamentos. Todos os seus figurinos carregam mensagens sobre a história das drag queens, o universo queer, do seu bairro Brooklyn, além da história de sua mãe, que faleceu de câncer – motivo pelo qual Sasha até hoje se apresenta careca. Através de tal ritual, adquire signos pertencentes ao papel de gênero feminino, transpondo as barreiras da divisão binária destes símbolos visuais.
Com uma sobrancelha que se encontra ao meio da face em contraponto à cabeça lisa, Sasha ressalta particularidades caricatas do feminino, construindo sua personagem com adereços, nome próprio e outras características femininas (Chidiac, Oltramari, 2004).
Num segundo momento, fazem outra interação através da performance artística, quando criam shows, danças e dublagens com fins de entretenimento. Como no último episódio da nona temporada de “RuPaul’s Drag Race”, quando Sasha Velour enfrenta suas adversárias em dublagens artísticas de músicas pop, o que lhe garantiu a coroa desta última edição.
Drag Queens como arte
Tais performances podem ser caracterizadas como uma expressão de arte contemporânea. Conforme descreve Nathalie Heinich, uma “performance” não mais se enquadra em concepções clássicas ou da arte moderna, não se isola em um pedestal, nem necessariamente demonstra vínculo entre a obra de arte e o corpo do artista. Por vezes a ironia e jocosidade se elevam, tornando-se mais importantes. Algo que pode ser facilmente observado nas criações de drag queens.
Como escreve Heinich a arte contemporânea exige que o artista ultrapasse os limites do senso comum: “da própria noção de arte, inclusive a exigência moderna de um vínculo entre a obra e a interioridade do artista”.
Construindo
Ao construir sua personagem feminina, uma drag queen passa por um longo processo de transformação, buscando um “outro” não acessível, senão por meio de sua montaria (Louro, 2004). Este seria o estado de transformação descrito por Richard Schechner, pois as drag queens enquanto performers vivem “o desafio (psicológico) de tornar-se “outro” sem deixar de ser a si mesmo” (Silva, 2005).
Ao coabitarem os conceitos de feminino e masculino, as drag queens criam um jogo que questiona a rigidez destas identidades de gênero (Chidiac, Oltramari, 2004). Nos conceitos de Victor Turner, essas situações limiares, representadas por uma performance, interrompem “o fluxo da vida cotidiana”. Na vida cotidiana, homens não usam saias ou maquiagem, tampouco mulheres tem sobrancelhas que alcançam suas testas e lábios naturalmente gigantescos. As proporções femininas são alteradas na caricatura de drag queen. Na vida cotidiana, homem e mulher tem papéis restritos.
Os “Dramas sociais” e “ritos de passagem” conceituados pelo antropólogo britânico seriam os momentos quando atores sociais iniciam uma aventura “dramática”, fazendo representações de papéis e jogos simbólicos, causando uma ruptura da ordem cotidiana. Cria-se um “deslocamento do olhar”, fazendo-se perceber as contradições inerentes à estrutura social (Silva, 2005). Tal momento, propicia aos atores sociais a possibilidade de se distanciar dos papéis normativos, tomando distância suficiente para adotar uma atitude reflexiva, repensando tal estrutura social e até mesmo transformá-la.
Uma nova forma de pensar gênero
Os recordes de audiência do reality show “RuPaul’s Drag Race” – 987 mil pessoas acompanhavam a estreia da nona temporada nos Estados Unidos, o dobro da edição anterior – demonstram a aderência a estas performances que questionam os papéis de gênero, proporcionando a esta audiência também ser transportada para outro estado de vivência, como alinhava Schechner. Os espectadores podem ser instigados a refletir sobre as relações de poder e dominação ou os problemas que permeiam a sociedade, despertando para uma consciência crítica (Silva, 2004).
Ainda há a possibilidade desta transposição para outras realidades se tornar permanente, segundo Schechner, implicando em uma transformação. Sasha como artista, ganha um novo papel e status na sociedade, permitindo que sua mensagem continue atuante também a outros atores sociais, como seu público espectador.
Através dos questionamentos sobre identidade de gênero feitos com as performances artísticas de Sasha Velour e outras drag queens, cria-se a contraposição do que seria um estado cotidiano e o porquê deste ser considerado o natural.
A ruptura destes padrões pode desenvolver uma consciência crítica de si e do outro, revendo a realidade social onde estão inseridos.
BIBLIOGRAFIA
LOURO, G. L. (2004). Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica.
CHIDIAC, Maria Tereza Vargas; OLTRAMARI, Leandro Castro. (2004). Ser e estar drag queen1: um estudo sobre a configuração da identidade queer.
SILVA, Rubens Alves. (20014). Entre “Artes” E “Ciências”: A Noção De Performance E Drama No Campo Das Ciências Sociais.
HEINICHI, Nathalie. (2014). Práticas da arte contemporânea: Uma abordagem pragmática a um novo paradigma artístico.
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