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Foto do escritorHellen Albuquerque

Até o último fio loiro: a colonização da beleza brasileira

A verdadeira beleza é tão particular, tão nova, que não se reconhece como beleza. Marcel Proust

A busca pelo belo e agradável segue o percurso da humanidade. Está nas medições vitruvianas de Da Vinci, nos sonetos de Shakespeare e nas agulhas – que deixam cicatrizes invisíveis – de Dr. Rey. Seja alterando a visão de mundo ou a que temos de nós mesmos, procedimentos diversos buscam encontrar a utópica perfeição.

Aqui, em trópicos brasileiros, a beleza recebe indicações de Vinicius de Moraes, em Receita de Mulher. Não à toa, somos os campeões em cirurgias plásticas, de acordo com o relatório da International Society of Aesthetic Plastic Surgery, em 2013. É o silicone, o botox, a lipoaspiração. Uma busca constante em diminuir quadris mulatos e deixar os seios mais fartos.

Não suficiente, querem transformar até o último fio de cabelo. É o que releva a pesquisa em da Unilever em parceria com o Ibope, realizada em 2011. Apesar de mais da metade das mulheres brasileiras possuírem cabelos cacheados (51,4%), a maior parte delas já realizou algum tipo de alisamento (45%). As cores dos fios também são tingidas. Sendo que 86% das mulheres entrevistadas já haviam feito alguma tintura. E sem muita surpresa, a cor loira é mais procurada (74%).

Costumo brincar com algumas amigas sobre como é fácil encontrar uma mulher brasileira em qualquer lugar do mundo… Procure por cabelos com mechas loiras, calças e botas de montaria – torço para essa tendência ir embora há anos. A eterna busca por uma beleza que não é nossa tem suas origens.

Durante o período colonial, a beleza encontrada aqui, tão discrepante da europeia – na época influenciada pelos costumes italianos – era assunto nas cartas dos ditos descobridores. Como narra Pero Vaz de Caminha, em escritos datados em 1 de maio de 1.500:

“E uma daquelas moças era toda tingida, de baixo a cima daquela tintura; e certo era tão bem-feita e tão redonda, e sua vergonha (que ela não tinha) tão graciosa, que as muitas mulheres da nossa terra, vendo-lhe tais feições, fizera vergonha, por não terem a sua como ela” (Caminha, 2015).

Contudo, tão logo o Brasil se torna colônia, também a beleza feminina é domesticada. Como Rita Segato aponta em seus estudos sobre gênero e colonialidade: “a crueldade e o desamparo das mulheres aumentam à medida que a modernidade e o mercado se expandem e anexam novas regiões” (2012).

Gisele Bündchen, a modelo mais famosa do mundo, e que “representa” a beleza brasileira, tem descendência alemã – bem visível em seus traços físicos


Subjugadas como escravas e objeto de entretenimento sexual, as índias e negras não possuem o status comandante para possuir uma beleza própria. E sim, são inseridas em uma padronização imposta pelos seus dominantes. Como aponta Homi Bhabha, a mulher branca torna-se a “sombra da mulher africana”.

A pátria pode até ser amada, mas não é tão idolatrada assim. Dizem por aí que é a mente de país colonizado, sempre olhando para os vizinhos por um gramado mais verde. Ou cabelo mais loiro.

O ideal de branqueamento do século XIX perpetuou a ideia de superioridade racial, diminuindo a figura negra e indígena, as associando a causa do atraso no desenvolvimento do país. Como aponta Segato, a miscigenação, que faz parte da identidade brasileira, é uma forma de ocultamento das características físicas nacionais.

Era na alta sociedade, majoritariamente branca, que se decidia o modelo a ser a seguido. Homi Bhabha descreve a categoria de classe como narcisista. E se Narciso acha feio tudo que não é espelho, que outra forma de dominação se não a de impor sua própria imagem?

Os signos visuais da moda e da beleza, desde de seu surgimento, são representações das divisões entre grupos. É só pensar na cor púrpura reservada ao imperador Nero, que representava riqueza e distinção. O tom ficava reservado a figura imperial, sob pena de morte a quem a usasse. Ou a nomeação dos Sans Cullots durante a Revolução Francesa, que por serem artesãos e trabalhadores não possuíam os calções tipicamente usados pela nobreza.

A minoria racial e de gênero, recebe códigos de domínio em diferentes frentes, como em aspectos econômicos, políticos e religiosos. Neste embate, também existe o fator estético (BHABHA, 2012).

O filme De Pernas Pro Ar foi um dos campeões de bilheteria nacional em 2012, as atrizes principais são todas brancas


Beleza colonizada em cada anúncio

Hoje, os meios de comunicação e a publicidade exercem o papel da burguesia, ditando o que seria o belo em um nível universal. Para Segato, o “outro indígena”, o “outro não branco” e a mulher, não possuem, em termos de identidade, um padrão global. Não podendo ser generalizados por suas diferenças. Ficam, assim, na qualidade de outro, de resto.

A presença de diferentes biotipos femininos em nossos meios de comunicação é muito rara. O site The Fashion Spot faz pesquisas anuais sobre as grandes anunciantes do mercado de moda. No último ano, de 236 anúncios analisados, apenas 8% das modelos selecionadas para os castings eram negras. Colocadas na categoria “outras”, as asiáticas e latinas representavam 13% das propagandas.

O estrelato permanece para as brancas, que estampavam 78% dos anúncios. Fica difícil compreender que existem várias belezas, quando somos constantemente expostos a apenas uma delas.

Na realidade nacional, que é miscigenada, pouco se vê representações de mulheres negras ou latinas. Mesmo sendo mais da metade da população, apenas 4% das atrizes dos 218 filmes nacionais campeões de bilheteria entre 2002 e 2012 são negras. Dados de uma pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Beleza colonizada: este anúncio causou polêmica em Londres por considerar apenas um corpo como o “pronto para praia”


Bonito pra quem?

O Brasil parece ter sido interrompido em seu processo de construção de identidade, pois rejeita mais da metade de sua população. No Sul, carregamos as heranças alemã, italiana, ucraniana, polonesa, japonesa… Em Curitiba, existem pontos comemorativos para cada uma das etnias. São praças, festividades, parques e monumentos dedicados a essas colonizações. Quantas praças temos em comemoração à presença africana? Ou indígena?

A beleza brasileira, identidade estética e quadris ficaram aqui como taperas, em tupi: o que já foi aldeia. Nossa formosura foi invadida assim como foram os ecossistemas naturais. Recuados pelas plantas exóticas invasoras. Resta analisar nossa própria flora, para talvez um dia, quem sabe, voltar a ser aldeia.

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